quarta-feira, 20 de abril de 2016

Cérebro e motivação !


                                                                               Lucia Machado Haertel

O que nos leva a tomar iniciativas? Estudar ao invés de ir pra balada? Levantar cedo e ir trabalhar ou malhar? E por que algumas pessoas têm uma dificuldade enorme de fazer tudo isso? Por que, afinal, alguns adolescentes passam o dia na preguiça ou em atividades que não acrescentam uma única sinapse útil ao cérebro, sempre dizendo que amanhã começarão a estudar? Por que é tão difícil interromper uma atividade prazerosa e otimizar o tempo?
O cérebro, explica! Ou melhor, nossos núcleos accumbens explicam! Tais pequenas estruturas cerebrais são o centro do nosso sistema de recompensa, o qual surgiu durante a evolução para premiar com sensações de prazer e felicidade as atitudes necessárias para a sobrevivência da espécie, como saciar a sede, a fome e o desejo sexual. Afinal, se a atividade sexual não fosse prazerosa, a espécie humana estaria fadada à extinção!
O homem primitivo não tinha lá muito o que fazer além de comer, beber e se reproduzir, mas tinha que passar o dia todo tentando achar seu alimento. Portanto, tinha que iniciar a busca logo, antes da fome bater. Observa-se aqui que o sistema de recompensa não seria suficiente se a pessoa não antecipasse a necessidade e tomasse a iniciativa.
 A natureza resolveu essa questão da  iniciativa ou motivação ativando levemente o sistema de recompensa na iminência de algo bom acontecer. A antecipação da possibilidade de recompensa faz com que o indivíduo tenha motivação para buscá-la, ou seja, sair para caçar ao invés de passar o dia todo dormindo na caverna. Ao vencer o desafio - e o medo - o núcleo accumbens é fortemente ativado pela dopamina.  Caçar um animal que o alimentasse por uma semana era a coisa mais emocionante e prazerosa que poderia acontecer na vida de um homem primitivo. Que felicidade! E tudo isso garantido pela dopamina no cérebro.
O que pode ter mudado tanto em 200.000 anos? Certamente não foi o cérebro! Ao achar água na torneira, comida na geladeira e parceiros sexuais nas redes sociais, as motivações primordiais de sobrevivência desapareceram. O mundo moderno criou muitos gadgets que trazem prazer imediato – IPhone, IPad, ITudo - sem esforço algum. Os pais ainda são obrigados a ter motivações básicas de sobrevivência (como trabalhar para pagar as contas dos filhos), mas o que será dos adolescentes que tem acesso a tudo isso? Como terão motivação para pensar no futuro?
 A constante ativação do núcleo accumbens por um excesso de atividades que trazem prazer imediato dificulta muito a realização de atividades em que a recompensa só vem em longo prazo, como atividade física diária para perder peso (é mais fácil ir atrás de algum remedinho milagroso!) ou estudar um ano inteiro para passar direto. Pensar no vestibular então... É muito mais fácil ficar na internet enganando sua consciência com pensamentos como “só mais uma conversinha no whats e é só hoje, amanhã começo a estudar”.
Quando o sistema de recompensa ou de motivação dos filhos não se ativa de jeito algum, existe a opção de usar o sistema de punição que também existe no cérebro. O medo da nota baixa, ou ainda pior, de ficar sem internet, ativará outros sistemas cerebrais que também levarão à iniciativa, como a amígdala cerebral (responsável pelo medo) e as habênulas que serão responsáveis pelo sentimento de tristeza quando a punição  acontecer. Uma pitadinha de ativação da amígdala cerebral, o centro do medo, é necessária para a iniciativa, pois gera aquela preocupação normal que leva à responsabilidade, como a de levantar cedo da cama para cumprir todas as obrigações do dia.
Tudo no cérebro é uma questão de equilíbrio entre neurotransmissores e diversos sistemas antagônicos como o de recompensa, o de punição e o do medo, entre vários outros, que determinam os cinquenta tons possíveis da personalidade humana. É importante ressaltar que punições devem ser usadas com cautela. Não é apenas a punição imposta pelos pais que funciona. O que importa na verdade é seu efeito no cérebro, o sentimento e o estado emocional que surge em resposta a ela. Este, por sua vez, depende da “química cerebral” de cada um. Enquanto alguns alunos já se sentem auto punidos com uma nota baixa e não precisam de castigo algum - mas sim de ajuda, outros só se mexem da cama após uma reprovação. Nestes casos nem a punição funciona!
O que fazer então? Como usar a neurociência a nosso favor?
Como ninguém gosta de trabalhar de graça, o cérebro também não! Seu pagamento se chama dopamina, e quanto mais dopamina, maior a sensação de recompensa. Um pouquinho dela liberada antes da ação nos dá motivação e nos faz tomar as iniciativas. O cérebro humano é movido a desafios. Traçar um objetivo ou estabelecer um desafio ativa o sistema de recompensa e impulsiona o indivíduo para alcançá-lo. A grande dica é criar o desafio na medida certa. Se for fácil demais, gera desânimo e se for muito difícil, o indivíduo desiste de tentar porque o cérebro antecipa que a recompensa não virá. O tamanho do objetivo depende da idade da criança e de suas habilidades. Nas menores comece com pequenos desafios, como ler 15 minutos e estudar meia  hora, mantendo o uso diário do computador em horário determinado. Sente-se junto à criança e ajude-a a estudar no início. Perceba suas habilidades e dificuldades, incentive-a, faça-a acreditar que é possível. Uma primeira nota boa, neste caso, a recompensa dará a ela um grande prazer e satisfação. A sensação de prazer será memorizada pelo cérebro que naturalmente vai querer repetir a dose! Essas atitudes transformarão um ciclo vicioso de maus resultados, desânimo e desmotivação num ciclo virtuoso! Pequenas vitórias aumentam a motivação para vencer desafios maiores, com muita dopamina e felicidade. É por isso que o hit do momento em aprendizagem chama-se motivação!



terça-feira, 15 de março de 2016

Zika virus - herança maldita

O que a copa do mundo deixou para os brasileiros?
Além da derrota vergonhosa, obras caríssimas e desnecessárias em que a politicada corrupta deitou e rolou no superfaturamento, ganhamos de presente o Zika.  Trazido pelos turistas, o vírus encontrou no Brasil o ambiente perfeito para sua rápida proliferação.  O Ministro da Saúde chegou a afirmar que a epidemia não era motivo de preocupação por se tratar de uma doença “mais branda” que a dengue...  Logo depois veio a bomba e o Governo decretou estado de emergência em saúde pública. Dia a dia crescem os números de bebes nascidos com microcefalia provocada pelo Zika vírus.  Os neuropediatras de Pernambuco deram o primeiro alerta. Acostumados a ver menos de um caso de microcefalia por mês, passaram a se deparar com dezenas deles.  A relação com o Zika vírus foi estabelecida após a confirmação da presença do vírus no cérebro de fetos abortados.
A microcefalia é o sinal mais evidente porque pode ser identificada apenas com uma fita métrica. No entanto, a tragédia é bem maior. Como neuropediatra, senti um imenso pesar ao ver os exames de imagem do cérebro mostrando malformações gravíssimas. Imediatamente já sabia da intensidade das seqüelas, permanentes e incapacitantes: paralisia cerebral, deficiência intelectual profunda e epilepsias de difícil controle.  Serão milhares de crianças, toda uma geração acometida e não há neuropediatras ou serviços de reabilitação suficientes para atender  a todos.
Ao invés de proporcionar benefícios à Nação, a copa nos deu um “presente de grego “cuja conta mais uma vez sobra para a população . Já não bastasse termos um sistema de saúde pública falido, a tragédia acometeu principalmente os estados mais pobres do país.  É uma população que já sofre as conseqüências de décadas de má administração de verbas publicas, corrupção e falta de investimentos. Assim como na educação, saúde no Brasil não é direito, mas sim privilégio. Aqui a regra é remediar e não prevenir. Aqui tudo é provisório, precário e inconseqüente. E ainda temos que aturar a nossa presidenta tirando proveito político da situação.   
A neuropediatria do Brasil está de luto. Nossa população não merecia mais esta desgraça.

Publicado no Jornal de Santa Catarina em 15/03/2016


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

EPILEPSIA NA INFÂNCIA

         A epilepsia pode iniciar-se em qualquer idade, desde o recém nascido ao idoso. Existem diversos tipos e causas. Esta diversidade é particularmente grande na infância. Nesta idade, a maioria das epilepsias são as chamadas benignas, idiopáticas ou de origem genética. Nestes casos é possível a cura após alguns anos de tratamento.  Tratando epilepsias há vinte e cinco anos, ainda hoje me emociono com a felicidade dos pais no momento em que dissemos que seu filho está curado  e que iremos iniciar a retirada da medicação.  
Mesmo nas epilepsias em que a cura não é esperada, na maioria das vezes os sintomas podem ser completamente controlados com medicamentos e a criança leva uma vida normal. Assim, em até  80% das epilepsias obtemos o adequado controle sem prejuízo no desenvolvimento ou na aprendizagem da criança.   Os pais devem ser tranquilizados de que com raras exceções, as crises epilépticas não causam danos ao cérebro da criança. O médico neuropediatra fará sempre o possível para que a criança obtenha o controle completo das crises. No entanto, é importante ressaltar que existe certa imprevisibilidade nas epilepsias e algumas crises poderão ocorrer.
Existem epilepsias que são causadas por uma lesão prévia no cérebro.  Esta lesão poderá também causar outros comprometimentos neurológicos. São as chamadas epilepsias sintomáticas . Assim, nos casos em que há atrasos de desenvolvimento e deficiências, estas são geralmente causadas pela lesão cerebral prévia ou por uma síndrome genética e não pela epilepsia.  Algumas delas podem ser de difícil controle e a criança pode ainda apresentar crises mesmo com a combinação de dois ou mais medicamentos. Mesmo nestes casos, as crises  não causam lesões adicionais ao cérebro. 
Entretanto, existe um grupo realmente muito grave de epilepsias, as chamadas “encefalopatias epilépticas”. São raras, mas neste grupo a ocorrência de crises pode realmente causar um atraso no desenvolvimento da criança ou agravar o quadro de um atraso já existente.   A mais grave delas é a Síndrome de West. A história típica é a de um bebe entre 6  e 18 meses previamente normal ou já com algum comprometimento decorrente de uma lesão cerebral que subitamente inicia com crises do tipo espasmos  em flexão. O bebe faz uma súbita contração de tronco e membros que dura apenas um segundo, porém se repete várias vezes ao dia. O eletroencefalograma apresenta uma alteração típica chamada de hipsarritmia.  Após o início das crises, a criança irá apresentar uma regressão no seu desenvolvimento:  para de sorrir, de interagir e de progredir nas aquisições motoras. É importante reconhecer rapidamente este tipo de crise que por ser muito breve muitas vezes é confundida com um susto ou uma cólica e isto atrasa o início do tratamento.  Trata-se de uma emergência neurológica. O neuropediatra deverá interromper as crises a todo custo mais breve possível para evitar que o atraso no desenvolvimento se agrave. Se em algumas semanas não houver o controle com medicamentos orais a conduta é utilizar o ACTH, um medicamento de aplicação intramuscular.

Assim, em contraste com a benignidade da maioria das epilepsias, os tipos mais graves também ocorrem na infância e diante de tanta diversidade é importante que as epilepsias sejam tratadas pelo especialista. Felizmente na maioria das vezes podemos ter uma postura positiva e tranquilizar os pais. Por ouro lado é importante saber reconhecer as epilepsias graves em que o prognóstico depende do rápido reconhecimento e tratamento adequados.

Dra. Lucia Machado Haertel - Neuropediatra e Epileptologista
Neurosaude - Blumenau (47) 3322 1522



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

DESMISTIFICANDO A EPILEPSIA

A ocorrência de crises epilépticas é sempre um motivo de grande angustia para os pais. Nós,  especialistas,  devemos orienta-los para que possam lidar da melhor forma possível com esta nova situação. É importante saber que epilepsia não é um transtorno único. Existem diversos tipos e diversas causas.  Existem casos extremamente benignos em há a cura espontânea e casos mais raros de epilepsias graves e até intratáveis. É importante conhecer os diversos tipos de epilepsia e saber interpretar bem o eletroencefalograma para escolher o melhor tratamento para cada caso.    
As epilepsias tem controle adequado com medicamentos em aproximadamente  80% dos casos e os pacientes podem levar uma vida praticamente normal. É importante ressaltar que a grande maioria das crises não causa lesão cerebral nem atraso no desenvolvimento da criança. Este risco só existe nos casos de crises muito prolongadas, ( o estado de mal epiléptico) , ou nas chamadas encefalopatias epilépticas, um grupo de epilepsias raras e muito graves sendo a mais conhecida delas , a Síndrome de West.    
 Assim,  não devemos tomar a exceção como regra e deixar os pais em pânico! É comum ouvir de leigos e até de médicos não especialistas que cada crise “queima” uma parte do cérebro!  Isto não é verdade!  O risco maior em uma crise são os acidentes: quedas, afogamento ou aspiração . Portanto, alguns cuidados são necessários. O especialista deve esclarecer o risco inerente a cada tipo de epilepsia, orientando e ao mesmo tempo tranquilizando os pais que algumas crises poderão ocorrer, principalmente no início do tratamento. É necessário manter a calma e saber o que fazer neste momento.
                O objetivo do tratamento será sempre tentar obter o controle completo das crises e preservar a qualidade de vida dos pacientes.  A prova de que se pode levar uma vida normal com epilepsia é o grande número de celebridades portadoras:  Alexandre o Grande,  Júlio César (Imperador de Roma), Alfred NobelMachado de AssisNapoleão Bonaparte,  D.PedroIVan Gogh.
                E naquela época, nem havia tratamento!

 Dra. Lucia Machado Haertel - Neurologista Infantil e especialista em epilepsias e eletrencefalografia.
 Neurosaúde - Blumenau- 3322 1522 

Veja também neste Blog o artigo: Machado de Assis, o epiléptico. 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Como iniciar bem o ano letivo ?

                                                           Dra. Lucia Machado Haertel
Mais um ano letivo se inicia e com ele o esforço diário para fazer os neurônios voltarem a funcionar a todo vapor!  Não espere aqui alguma dica milagrosa do tipo “Como turbinar a memória em 10 passos”. Nosso cérebro não faz milagres! Aprender exigirá esforço e dedicação.
O cérebro não é um computador e, portanto, não grava tudo. Ele próprio faz uma seleção do que vai ser memorizado e o que será esquecido.  O que podemos fazer é direcionar essa seleção através do estudo eficiente. Para isto as palavras chave são: motivação e atenção.
Sem maturidade para entender a importância do estudo, crianças mais novas só entendem que: estudar é legal ou estudar é chato.  Se acharem chato, podem se recusar a aprender. Aprendemos melhor aquilo que gostamos. Portanto,  pais e professores devem tornar o momento do estudo agradável  para que as crianças criem um vínculo positivo com a aprendizagem. Crianças não aprendem sob pressão. É preciso despertar a motivação e dar reforço positivo para que a hora da tarefa não seja uma tortura!
Na adolescência, o cérebro atinge o auge do seu desenvolvimento e se torna uma potente máquina de aprender. Porém, outras habilidades, também crescem nessa idade e as notas podem não decolar. É preciso vencer a concorrência desleal dos iphones, face, insta... Os adolescentes costumam pensar que  conseguem estudar com TV e celular ligados. No entanto, as frequentes interrupções, ou seja , a distração, irá comprometer a memorização. O cérebro não compartilha a atenção. Ele só é capaz de processar um estímulo por vez e necessita de dedicação exclusiva.
Há também a pegadinha cerebral da memória de curta duração, que mantém o assunto recém estudado em mente por algumas horas, dando aquela sensação de “já estou sabendo tudo”.  Porém, a memória definitiva é altamente dependente da atenção e consolidada durante o sono.  Se você estudar apenas na véspera, não se surpreenda se “der um branco” na hora da prova. Não é “branco”, na verdade você não aprendeu!  
A memória depende da formação de novas sinapses e promove modificações na estrutura cerebral, portanto não é fácil memorizar! Existe o estudo pra fazer prova e o estudo para aprender. Decorar o resumo do colega na véspera da prova pode até garantir uma nota básica, mas após alguns dias, tudo será esquecido.  Para que uma ampla rede de sinapses seja formada, é necessário estudar a matéria inteira, compreendendo e elaborando o assunto através de diferentes meios - textos, filmes, figuras, debates, músicas -  fazendo associações com os conhecimentos previamente aprendidos. A repetição  é também necessária para “colar” a matéria no cérebro.  Depois disto, ele próprio estará apto a elaborar um resumo para ser revisado na véspera. Estabelecer um objetivo é fundamental para criar a motivação e assim,  todo o seu cérebro trabalhará para alcançá-lo. É importante começar a estudar desde o inicio do ano. O cérebro não "pega no tranco" no último bimestre. Lembrem-se: não deixem para estudar amanhã o que vocês podem estudar hoje!

Publicado também no Jornal de Santa Catarina, 08/02/2016   

PARA OBTER  MAIS DICAS SOBRE APRENDIZAGEM, LEIA O ARTIGO COMPLETO " VOLTA ÀS AULAS " NESTE BLOG 
LEIA TAMBÉM " O PRIMEIRO DIA DE AULA NA PRÉ ESCOLA". 


quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Herança de família

Muito esquecido nos dias de hoje, o livro sempre foi presença marcante em minha família. Minha bisavó costumava receber escritores e intelectuais para animados saraus em sua fazenda em Minas Gerais.  Assim, seus filhos cresceram valorizando a leitura e muitos deles se tornaram escritores. Conviver com minha tia avó Lucia Machado de Almeida, conhecida escritora de Belo Horizonte, foi um dos grandes privilégios que tive na vida. Tinha um museu em sua casa e seu livro mais famoso, “O Escaravelho do Diabo”, marcou minha infância e será em breve lançado nos cinemas .
Meu tio avô, Aníbal Machado, também escreveu livros de destaque nacional. Grande mecenas da cultura, fundou para sua filha - a escritora e teatróloga  Maria Clara Machado - a famosa escola de teatro "O  Tablado" no Rio de Janeiro, onde estudaram os maiores atores brasileiros. Meu avô também publicou alguns livros. Contudo, sua maior importância foi estimular o gosto pela leitura entre seus filhos. Ele abriu uma conta numa livraria de Belo Horizonte e disse a meu pai: “Filho, você pode comprar todos os livros que quiser ler!”.
 Fiel à herança literária da família, Angelo Machado – meu pai, médico e neurocientista - publicou 44 livros, a maioria para crianças! 

Ganhou o prêmio Jabuti , o mais importante  da literatura brasileira . Um dia ele me disse a mesma frase: “Filha, você pode comprar todos os livros que quiser ler!” e eu, por minha vez, repeti a frase aos meus três filhos.  Minha primogênita Letícia foi o maior prejuízo, digo, investimento! Tornou-se uma devoradora de livros e era a cobaia do meu pai para o teste de suas histórias infantis antes da publicação. A danadinha aprendeu a ler aos 3 anos e aos cinco leu seu primeiro “livro grande”:  Harry Potter. Os mais novos foram pelo mesmo caminho e a fama de bons leitores fazia com que ganhassem dezenas de livros nos aniversários. E lá ia eu com sacolas cheias às livrarias para trocar os repetidos.  
Em 25 anos atuando como médica neurologista infantil, sempre busco estimular a leitura entre meus pacientes e percebo seu poder no desenvolvimento das habilidades de linguagem, memória, atenção, velocidade de processamento de informações e consequentemente na aprendizagem. Mesmo com toda a tecnologia moderna,  o melhor estimulante para o cérebro ainda é a leitura. 
              No futuro vejo-me sentada numa poltrona lendo um bom livro, cercada de netos folheando os seus livrinhos infantis. Um dos meus filhos chega e repete a célebre frase que marca nossa herança de cinco  gerações: “Filhos, vocês podem comprar todos os livros que quiserem ler!”.  

Publicado no jornal de Santa Catarina 14/03/2016

quinta-feira, 26 de março de 2015

Machado de Assis, o Epiléptico

           Vinte e seis de março é o dia mundial de conscientização sobre a epilepsia, um distúrbio cercado de mitos e preconceitos desde o Egito antigo. Ao longo de milênios de ignorância, várias hipóteses foram postuladas para explicar as crises epilépticas: punição dos deuses, incorporação de espíritos ou até mesmo, coisa do demônio. No Brasil do século XIX, a epilepsia era considerada doença mental, relacionada à insanidade e pasmem, à criminalidade. Os portadores eram internados em manicômios. Alguns países esterilizavam os doentes mentais entre eles, os epilépticos, para que não transmitissem a enfermidade. Foi neste contexto que nasceu o maior escritor brasileiro: Machado de Assis.


Nascido sob condições adversas, suas chances de ascensão social eram extremamente improváveis. Ele era franzino, pobre, sem estudo regular, gago, descendente de escravos e ainda por cima, epiléptico! Apenas um talento genuíno o faria superar o preconceito racial e o estigma da epilepsia em plena época da escravidão no Brasil. Ele escrevia maravilhosamente em todos os gêneros literários desde os 16 anos.
Nesta época não havia tratamento eficiente e o escritor tinha que conviver com a angústia de ter uma crise epiléptica a qualquer momento. Sua esposa e os amigos tratavam de socorrê-lo evitando que o conhecimento do seu transtorno se espalhasse. A primeira pergunta que fazia ao recobrar a consciência era: Alguém viu? Ele vivia assombrado pelo medo da ocorrência de crises em público o que poderia resultar numa internação em um manicômio.
Em 1896, Machado de Assis fundou a Academia Brasileira de Letras. Conquistou seu espaço em um ambiente extremamente intelectualizado e elitizado colocando abaixo todas as ideias preconceituosas sobre superioridade social e racial. Tampouco a epilepsia o impediu de demonstrar sua extrema inteligência e capacidade intelectual.   

Felizmente a medicina evoluiu e descobriu que a epilepsia é causada por  um distúrbio da atividade elétrica do cérebro.  Hoje existem medicamentos eficientes e a maioria dos pacientes leva uma vida normal como outros portadores de doenças crônicas como o diabetes, a asma e a hipertensão.  A sociedade também precisa evoluir e acabar com o preconceito milenar que atinge a epilepsia e outros transtornos do cérebro.  
Dra. Lúcia Machado Haertel - Neurosaúde - Blumenau (47) 3322-1522